Opinião
17 dezembro 2021

Natal, paradigma de sinodalidade

Tempo de leitura: 4 min
A vida humana é uma realidade em transformação que a Igreja tem de acompanhar para se pôr ao serviço de tudo o que possa gerar vida digna. Se não for assim, a Igreja para nada serve.
Eugénio Fonseca
Presidente da Confederação Portuguesa do Voluntariado
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Este ano, a celebração do Natal está marcada por uma vivência exigente e de grande seriedade participativa, a nível da Igreja, em todo o mundo. O Papa Francisco pede à Igreja que faça uma revisão de vida, à luz dos sinais dos tempos e tendo como chave de leitura a Sagrada Escritura e o Pensamento Social Cristão. Trata-se da realização de mais um Sínodo dos Bispos (preferia um Sínodo da Igreja), com um tempo longo de preparação. Na celebração do Mistério da Encarnação encontramos marcas sinodais. Assim o contemplo e justifico, referindo apenas alguns dos episódios desse acontecimento da história cristã.

«Deus amou de tal modo o mundo que entregou o seu Filho único...» (cf. Jo 16,3). Um Sínodo, com os objetivos do próximo, não pode ser para encontrar culpados pelos males do mundo, mas para descobrir estratégias pastorais, de modo que a Igreja se empenhe na superação dos mesmos. Um Sínodo não é para a Igreja «bater com a mão no peito dos outros», declinando as suas responsabilidades.

«Todos iam recensear-se…» (Lc 2,3). Tratou-se de uma obrigação determinada por César Augusto. Maria e José tiveram de percorrer um longo caminho. Contrariamente ao determinado pelo édito romano, ninguém é obrigado a participar na preparação do Sínodo. Este esforço do casal de Nazaré de se dirigir ao local onde deveria cumprir a sua missão tem de servir de motivação aos coordenadores diocesanos do Sínodo (não percebo que tenham de ser apenas clérigos) a não se esquecerem de colocar pessoas a caminho para escutarem quem estiver nas periferias existenciais. Que ninguém seja impedido de participar «sublinhando e reforçando que Igreja sinodal é Igreja peregrina e a caminho, na totalidade dos seus membros…»1.

«Mas tu, Belém, de forma alguma és a menor entre as principais cidades de Judá; pois de ti virá o líder que conduzirá Israel, o meu povo» (Mt 2,6). De uma insignificante aldeia, partiu o enviado de Deus para com simplicidade caminhar com outros. Assim também, este caminho sinodal deve ser percorrido com grande humildade. Todas as opiniões, mesmo as mais incómodas, sobretudo essas, devem ser tidas em conta e levadas a Roma. Se isso não acontecer será uma traição ao Espírito Santo.

«Vamos até Belém, e vejamos isso que aconteceu...» (cf. Lc 2,15). Foram todos para ver o que estava a acontecer. O mesmo se deve fazer até reunir o Sínodo: ir ver a percepção que se tem da Igreja na resposta às necessidades do tempo presente. O «vamos» aponta para o significado mais profundo da sinodalidade que se traduz por «caminhar juntos».

«Eis que uns magos vieram do Oriente» (Mt 2,1). Para enriquecimento desta feliz decisão do papa é fundamental dar-lhe uma dimensão ecuménica, porque, segundo ele, «o compromisso de edificar uma Igreja sinodal está cheio de implicações ecuménicas»2.

Deus fez-se homem para se dar todo a todos, para que tivéssemos vida e vida em abundância (cf. Jo 10,10). A vida humana é uma realidade em transformação que a Igreja tem de acompanhar para se pôr ao serviço de tudo o que possa gerar vida digna. Se não for assim, a Igreja para nada serve. 

1 Cf. Sérgio Leal, O caminho sinodal com o Papa Francisco, Paulinas Editoras, 2021, p. 21.

2 Cf. Francisco, Discurso à Confederação Internacional da União Apostólica do Clero (16/11/2017) 

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