Opinião
09 novembro 2022

Dia Mundial dos Pobres: «Uma sadia provocação»

Tempo de leitura: 4 min
Temos uma solidariedade abundante que não podemos deixar que se torne em desperdício.
Rita Valadas
Presidente da Cáritas Portuguesa
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No horizonte do Dia Mundial dos Pobres, somos este ano provocados pelo Santo Padre a «reflectir sobre o nosso estilo de vida e as inúmeras pobrezas da hora actual», somos naturalmente convocados a olhar o que fazemos. São tempos muito difíceis estes. A realidade do mundo, a nossa realidade social e a consciência do muito que está já a chegar, não nos sossega e não nos deixa distrair. Entre crises sucessivas, desastres naturais e sanitários, guerras, desinformação, riscos, angústia e fome, percebemos que temos de olhar a pobreza de uma forma activa que envolva todos os recursos e conte com todas as pessoas, mesmo as mais vulneráveis. Todos temos trunfos que devem ser usados no apoio às vulnerabilidades e muitas vezes ousamos não os considerar.

Agir em rede é um imperativo e um desafio que a rede Cáritas tem tentado perseguir no âmbito local, diocesano, nacional e mundial. A pobreza ouve-se e vê-se se estamos próximos, mas numa crise distante também podemos fazer a diferença, se agirmos em rede. O olhar atento para o que se passa junto de nós (nas paróquias) e a atenção comprometida com os apelos de emergência para o que vai acontecendo no mundo.

Agir sobre as realidades sociais é uma missão tão complexa quanto maior é a complexidade dos problemas sociais que enfrentamos. Não há receitas prontas e a solução que é boa num território pode não o ser num território vizinho. Não há uma só pobreza, nem a pobreza é um fenómeno só do mundo do rendimento. A falta de saúde, o isolamento, as fragilidades do ensino e conhecimento, a pobreza digital e energética, todos os tipos de iliteracia configuram fragilidades que nos atiram para a pobreza.

Há um fenómeno de protecção que nos torna desatentos quando uma novidade se sobrepõe a outra. Uma crise faz normalmente esquecer a outra e isso não pode acontecer. Hoje, ainda temos de manter a protecção contra o contágio da pandemia, prevenir problemas e riscos na saúde e ir acompanhando os novos sinais. Este é o repto. Ouvir e cuidar, com a serenidade possível, os recursos que pudermos partilhar, manter a consciência do que se passa no mundo e não deixar de olhar para perto de nós.

«Não é o activismo que salva, mas a atenção sincera e generosa que me permite aproximar dum pobre como de um irmão que me estende a mão para que acorde do torpor em que cai», diz o papa. A guerra da Ucrânia fez brotar uma enorme onda solidária e espero que, de forma organizada, possa ser um caminho e não um acontecimento. Temos uma solidariedade abundante que não podemos deixar que se torne em desperdício. Não podemos, como se usa dizer, deixar ninguém para trás. Temos de pôr a render competências e talentos, reconfigurar a nossa acção para podermos agir com propósito, resultados e harmonia e, ainda, reafirmar os afectos com uma nova proximidade e o adequado distanciamento.

Com o Dia Mundial dos Pobres inicia-se também a campanha 10 Milhões de Estrelas – Um Gesto pela Paz. Uma iniciativa da Cáritas que, simbolicamente, se materializa na venda de uma pequena vela, mas que tem um significado muito maior do que isso. Mesmo gestos pequenos podem fazer a diferença. Francisco diz esperar que o Dia Mundial dos Pobres «seja uma sadia provocação». Vamos, então, fazê-lo juntos. 

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