Opinião
13 março 2023

Consolar

Tempo de leitura: 4 min
Estes encontros com as vítimas esquecidas de todos estes anos de conflitos e guerras tribais revelaram-se uma parábola do actual pontificado.
P. Manuel Augusto Lopes Ferreira
Missionário comboniano
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No mês passado, considerámos a importância da palavra para narrar hoje a história de Jesus e fazer a anúncio cristão. Hoje voltamos a nossa atenção para a importância dos gestos, de uma presença testemunhante na missão cristã.

A reorientar a nossa atenção para o testemunho e o valor da presença e do diálogo de vida contribui o tempo litúrgico que estamos a viver, a Quaresma, em preparação à Páscoa. Este tempo é habitado pelo silêncio e pela interioridade e constitui um apelo para mostrarmos o amor cristão em sinais de conversão e de aproximação a Deus e aos outros. A oração, o jejum e a caridade, isto é, os gestos de presença, de amor e partilha, são os sinais que marcam o caminho da missão cristã neste tempo.

A inspirar-me a proposta da palavra consolar estão as imagens da visita que o Papa Francisco fez à República Democrática do Congo e ao Sudão do Sul; dois países africanos aos quais os Missionários Combonianos estão particularmente ligados, pela sua história e pela dimensão da sua presença. A comunicação social evidenciou o apelo do papa, apenas chegado a Kinshasa: «Tirem as mãos da África!» e o pedido insistente pelo fim da exploração das suas gentes e dos seus recursos. Mas o sinal que mais me falou foi o encontro com as vítimas dos conflitos, no Nordeste do Congo (na foto) e dos deslocados no Sudão do Sul; Francisco quis receber e consolar algumas das vítimas, num encontro que mais uma vez advogou a paz e a reconciliação e falou do perdão e do amor para recuperar as vidas tocadas pelo sofrimento injusto.

Esta viagem e estes encontros com as vítimas esquecidas de todos estes anos de conflitos e guerras tribais revelaram-se uma parábola do actual pontificado... O Papa Francisco já tinha sido forçado a atrasá-la, por causa do seu estado de saúde. Mas não quis renunciar a ela, pois este ir a África resume o seu desejo de sair e de se fazer próximo para consolar os povos africanos que estão a ficar para trás na caminhada da Humanidade, numa visão de Igreja e de modelo de missão como comunidade em saída, «hospital de campanha» que se empenha em curar as feridas da Humanidade.

«As vossas lágrimas são as minhas lágrimas, a vossa dor é a minha dor», disse o papa. «A cada família enlutada ou desalojada por causa de aldeias incendiadas e outros crimes de guerra, aos sobreviventes das violências sexuais, a cada criança e adulto ferido, digo: estou convosco, quero trazer-vos a carícia de Deus. O seu olhar terno e compassivo pousa sobre vós. Enquanto os violentos vos tratam como objectos, o Pai que está nos Céus vê a vossa dignidade e diz a cada um de vós: “És precioso aos meus olhos, estimo-te e amo-te” (Is 43, 4). A Igreja está e estará sempre da vossa parte. Deus ama-vos, não Se esqueceu de vós; oxalá se recordem de vós também os homens!»

Apesar da inutilidade imediata destes pronunciamentos e dos frutos incertos desta viagem (na opinião de alguns...), o papa quis consolar as vítimas dos conflitos nestes dois países africanos. E chamar a atenção da comunicação social para eles, ao menos durante os dias da sua breve estada. Uma estada no meio das pessoas e certamente longe das chancelarias onde se decide a actual política nestes dois países (e no continente africano), mas obviamente mais perto do Evangelho e da consolação que Jesus prometeu aos que sofrem, choram e esperam pela justiça (Mateus 5, 4-7).  

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