Opinião
14 maio 2023

Por onde começar?

Tempo de leitura: 4 min
À luz da Páscoa, cada estação da vida da Igreja é um tempo de graça e de provação: que onde e quando abunda a provação possa sobreabundar a graça!
P. Manuel Augusto Lopes Ferreira
Missionário comboniano
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(© 123RF)

 

Há semanas, os discípulos de Jesus fomos submetidos a uma intensa crítica, vinda de vários quadrantes e que se seguiu à apresentação dos trabalhos da Comissão Independente sobre os Abusos na Igreja Católica; uma crítica impiedosa que se seguiu, sobretudo, à conferência de imprensa que os bispos portugueses deram no termo da sua reunião geral de Março, para fazerem conhecer as medidas a adoptar perante os abusos e dar assim respostas às evidentes expectativas da opinião pública.

Concedamos que os bispos (alguns) se puseram a jeito e ofereceram (desnecessariamente) a ocasião para as críticas, aparecendo incertos sobre os percursos a fazer, quando podiam ter dado uma resposta de orientação comum. Assumindo, naturalmente e cada um na sua diocese, a responsabilidade de implementar esses percursos, em resposta às actuais orientações do Papa Francisco e às justas expectativas da opinião pública. Em resposta à necessidade de se colocarem em perspectiva as várias dimensões do problema, a começar pela atenção às vítimas e pelo afastamento dos abusadores.

Neste contexto, a Igreja e os seus servidores aparecem feridos na sua credibilidade. Alguns de nós perguntamo-nos como fazer para sermos (ainda e sempre) Igreja-em-saída, para levarmos o Evangelho de Cristo aos nossos irmãos, para colocarmos a evangelização no centro das nossas preocupações eclesiais. Como sair desta situação e dar voz e vez ao sobressalto de Esperança com que o Espírito Santo nos inquieta, mesmo no meio das adversidades, quando somos postos como espectáculo para o mundo (como diz o apóstolo Paulo na carta aos Romanos) mas não nos envergonhamos do Evangelho?!

Por onde começar, então? Mesmo admitindo a urgência de contrariar a actual inversão de valores, que se verifica nas sociedades ocidentais e no modelo de sociedade que emerge da globalização, e que também tem consequências negativas na vida da própria Igreja, a evangelização cristã não começa com a moral, mas começa com o anúncio de Cristo; não começa com a Lei, mas com o Evangelho, a boa notícia do encontro com Cristo. Assim, só podemos sair desta situação com um regresso ao Evangelho para descobrir o rosto de Jesus e fazermos a experiência pessoal de um encontro com Ele.

Quem o diz é o próprio Papa Francisco que, fazendo sua uma afirmação de Bento XVI – «no início da aventura cristã não está uma ideologia ou uma moral, mas um acontecimento, um encontro com uma Pessoa que dá um sentido novo à nossa vida» –, nos convida a todos, na A Alegria do Evangelho (n.o 3) a renovarmos «o nosso encontro pessoal com Cristo»; o que muda tudo é este encontro e a amizade com que nele somos agraciados.

Vivemos à luz da Páscoa: descobrimos que, para sairmos desta situação, não temos de olhar para trás (refazer o passado) nem para o lado (diluir-nos na cultura dominante). Temos, sim, de olhar para a frente, acolhendo a amizade de Cristo e fazendo crescer uma relação que se tece com várias dimensões (doutrinal, sacramental, eclesial, mística...); uma relação que nasce por decisão pessoal e se alimenta num diálogo entre um Tu e um Eu, pois Cristo não é alguém que pressupomos, uma personagem do passado, mas uma Pessoa Viva e presente na nossa vida. À luz da Páscoa, cada estação da vida da Igreja é um tempo de graça e de provação: que onde e quando abunda a provação possa sobreabundar a graça!   

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