Sala de convívio
03 dezembro 2020

O Natal está a chegar

Tempo de leitura: 5 min
Este vai ser um ano em que nos vamos concentrar mais no verdadeiro espírito de Natal.
Alice Vieira
Escritora
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Este tem sido um ano diferente de todos.

Estamos em dezembro. O mês das grandes festas católicas e familiares. O mês em que as pessoas se reúnem para festejar o nascimento de Jesus e para confraternizarem.

Este ano vai ser difícil. Muito menos gente nas igrejas, e quase ninguém nas habituais festas de família.

Este vai ser um ano em que nos vamos concentrar mais no verdadeiro espírito de Natal – e talvez isso nos faça muito bem. Não haverá aquela loucura das compras, todos nas lojas encavalitados uns nos outros, tirando daqui e dacolá, muitas vezes até das mãos de outra pessoa. Não haverá aquela fúria das listas que se levam nas mãos e onde vamos riscando os nomes à medida que os vamos «despachando». Porque é isso que queremos: «despachá-los», tipo «missão cumprida».

Este ano vamos verdadeiramente pensar nas pessoas. Não podemos abraçá-las nem estar com elas, mas podemos telefonar-lhes, como fizemos durante o confinamento – e podemos fazer aquilo que há anos toda a gente fazia e hoje já ninguém faz: escrever-lhes um postal. Ou uma carta.

Quem é que ainda hoje escreve postais ou cartas?

Aqui há uns meses lembro-me de estar nos correios e à minha frente um jovem, depois de entregar uma carta à funcionária, insistia com ela: «Mas veja se está bem…» Ela garantia que sim, que estava tudo bem, mas o rapaz não se calava: «Mas veja lá… É que lá no escritório insistiram muito para eu não me esquecer de pôr, ai… o que é que eles queriam… “remessa”? Era assim uma palavra parecida…» E a funcionária: «Seria “remetente”?» Ele saltou de alegria: «“Remetente”, era isso mesmo!» Depois parou e, com ar intrigado, perguntou: «Que raio é isso?»

É claro que não explico, porque tenho a certeza de que todos os que me leem sabem o que isso quer dizer.

É verdade que hoje há telemóveis, net, smartphones – e claro que são indispensáveis e não podíamos passar sem eles. É óbvio que se eu quiser mandar um recado, dar uma informação, pedir qualquer coisa, não vou mandar uma carta… Mas houve tempos – e ainda não muito longe – que essa era a única forma de comunicação e a que se usava se não havia grande urgência. Eu ainda me lembro de, no jornal Diário de Notícias, fazermos fila para ficarmos com a carta de um dos nossos correspondentes numa terra do país, já não me lembro qual. Os correspondentes eram pessoas – não jornalistas, mas com uma avença – que nos mandavam notícias da sua terra. Não era urgente e por isso escreviam cartas. E esse era extraordinário porque escrevia cartas para aí com 3 e 4 folhas e só mesmo no fim é que dava as notícias necessárias. As primeiras páginas eram todas «hoje os passarinhos chilreavam e o rumorejar do rio assaltava os nossos ouvidos…» Etc. O que a gente se ria…

Mas até há muito pouco tempo, era hábito mandar postais pelo Natal. E quando as pessoas faziam anos. O que eu, até hoje, sempre fiz e hei de continuar a fazer. Aqui há tempos eu e o meu velho amigo Vítor de Sousa (grande ator…) estávamos a começar um encontro de poesia – e, antes de começar, ele vira-se para mim e, na brincadeira, diz: «Eu nem devia estar aqui contigo porque este ano esqueceste-te de me mandar o postal de anos…» Assim que cheguei a casa, mandei logo. Atrasado, mas mandei.

E pronto, aí fica uma ótima sugestão para este Natal: recomecem a tradição de mandar postais aos amigos. Escolham um lindo postal, ou um lindo envelope para uma carta – e deem-lhes notícias vossas, dos amigos, da família. E não se esqueçam de lhes dizer que gostam muito deles. Que é uma coisa que dizemos muito pouco.

Bom Natal para todos!

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Março 2024 - nº 626
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