O P. Manuel João Pereira Correia, missionário comboniano, vive no Norte de Itália. Reside numa casa para missionários idosos ou que necessitam de apoio médico. Nestes dias, apesar das dificuldades físicas (tem ELA - esclerose lateral amiotrófica – há dez anos) escreveu uma carta aos amigos e amigas. Começa por dizer que está bem e viaja “todos os dias, ou melhor, todas as noites (com bilhete de regresso!), caminho, falo, como... sempre à noite, nos meus sonhos! Eu costumava sonhar com a missão. Muitas vezes sonhei com Roma, onde vivi durante dezoito anos e deixei muitos amigos. Há já algum tempo que sonho com a minha terra natal com muita frequência. Não sei o que isso significa. Talvez um regresso às origens. De facto, nos meus sonhos, é como se eu estivesse a viver a minha vida ao contrário, a andar para trás”.
E logo depois afirma: “É uma oportunidade para louvar o Senhor pelo dom da vida e vocação missionária, pelas pessoas que conheci e os amigos que me acolheram nos seus corações. Louvado seja o Senhor pela minha terra e pelo seu povo, pela sua beleza, pelas suas colinas e vinhas, exigentes mas generosas, pelas cerejeiras, oliveiras e árvores de fruto....”
“Agora que a doença me tirou o prazer de saborear a comida e a bebida, uma vez que sou alimentado por uma sonda, privando-me nestes últimos tempos de tomar o Corpo e Sangue de Cristo, pedi ao Senhor que quando chegasse às portas do Paraíso, onde espero entrar apenas pela Misericórdia de Deus, Ele faça receber-me com um grande tabuleiro de cerejas e cachos de uvas, e um bom prato de bacalhau regado com o azeite da minha terra. E que os amigos do Paraíso venham ao meu encontro com um bom fornecimento de bons vinhos para brindar à vida e a todos os amigos!”, continua o missionário.
Seguidamente afirma que “não está a escrever para falar de sonhos”. Recorda a situação que se vive no mundo e, em particular na comunidade missionária, devido à pandemia. “Venho pedir-vos que rezem pela minha comunidade. A maioria dos meus colegas e do pessoal que nos assiste contraíram a covid19. Estou relativamente bem, apesar das habituais dificuldades respiratórias e perturbações de imobilidade. Estou confiante de que a baleia da minha doença (ELA) não será intimidada por um "animalzinho" tão vil e desprezível como o vírus. Esta minha amiga não muito simpática jurou durante 10 anos não me deixar e que me levaria com ela!”
O missionário explica que fala “em tom de brincadeira”, mas que o seu coração “está inchado de tristeza”. “Hoje em dia, a covid levou oito dos meus colegas, um ou mesmo dois ou três por dia. Outros encontram-se em situação crítica”. E sublinha que “há mortes tão serenas” e “há mortes injustas! Como as causadas pelo vírus, que nos arrancam a vida com violência e traição. É injusta a morte de um jovem morto por uma viagem que termina prematuramente o seu curso. Mas também é injusto a morte de um velho que é empurrado e cai, impedindo-o de gozar serenamente os últimos dias da sua vida na companhia dos seus entes queridos.”
E o P. Manuel João interroga-se: “Quem deve ser responsabilizado por estas mortes injustas? Deus? Penso que não, uma vez que Deus é o amante da vida. Em vez disso, é o pai de todas as mentiras e inveja que introduziu a morte no mundo, juntamente com aqueles que lhe pertencem (Sabedoria 2,23-24). Então ficamos apenas com raiva e amargura? Não. Ainda temos esperança. E isto leva-me a acreditar que a monstruosa e insaciável baleia do vírus, inchada com mortes injustamente arrancadas da vida, não escapará à mão de Deus e, tal como fez com o Profeta Jonas, colocar-nos-á na costa onde Deus nos espera.”