
O destino do que hoje é a República do Sudão e a República do Sudão do Sul, dizem historiadores, terá sido selado durante o reinado de Muhammad Ali (1805-1848), fundador do Egipto moderno, tendo o tráfico de escravizados sudaneses sido «o ponto de viragem fundamental». Os limites geográficos que foram impostos, designadamente o rio Nilo Branco, conduziram à formação de um Norte maioritariamente árabe e um Sul predominantemente negro-africano, onde se concentravam os ataques aos escravizados. Os Britânicos, que se apoderaram do Sudão em 1898, após a Batalha de Omdurman e consequente criação do Sudão Anglo-Egípcio em 1899, tentaram abolir a escravatura, mas os seus esforços foram inglórios e acabaram por prejudicar o desenvolvimento do Sul. Na viragem para o século XX, o Reino Unido e o Egipto assinaram um acordo para um governo conjunto que tornou o Sudão uma colónia britânica. Os esforços de abolição da escravatura foram então bem-sucedidos, mas autoridades locais e missionários anglicanos concentraram os recursos no Norte, excluindo o marginalizado Sul, deixando-o «cronicamente subdesenvolvido» quanto a educação, saúde e infra-estruturas básicas.
Em Junho de 1947, numa conferência sobre o Sudão realizada em Juba, então capital da província de Equatória, a Grã-Bretanha decidiu unir duas colónias separadas por diferenças étnicas, religiosas e culturais – o Norte (árabe, islamizado, política e economicamente bem organizado) e o Sul (na sua maioria, tribos sem estruturas sólidas, que praticavam um misto de Cristianismo e animismo). Uma revolução nacional no Egipto e no Sudão iniciada em 1919 permitiu conceder independência unilateral ao Egipto em 1922, mas só em 1952, com a revolução que derrubou o rei Faruque, é que os dois países recuperaram a independência total.
Quatro meses antes da independência, o Sudão viveu a sua primeira guerra civil ou Rebelião dos Anya Nya (um exército paramilitar de rebeldes separatistas) e do Movimento para a Libertação do Sudão do Sul, que reclamavam maior autonomia regional. Em dezassete anos, de 1955 a 1972, o número de mortos ascendeu a meio milhão. O conflito terminou após a assinatura, na Etiópia, do Tratado de Adis Abeba, em que o Norte aceitou criar a Região Autónoma do Sudão do Sul.
O acordo de Adis Abeba caiu por terra em 1983, quando o líder sudanês Jaafar Numeiry impôs a lei islâmica em todo o país e revogou a autonomia do Sul. A segunda guerra civil, travada contra os governantes do Norte pelo Exército Popular de Libertação do Sudão, liderado por John Garang, tornou-se uma das mais longas e mortíferas do século XX. Em vinte e um anos, matou pelo menos 2,5 milhões de civis e causou mais de 4 milhões de refugiados e deslocados internos. Em 2005, foi assinado em Nairobi (Quénia), um «Acordo de Paz Global». O Sudão do Sul tornou-se uma região semiautónoma, com a promessa de um referendo sobre a independência num prazo de seis anos. Quando morreu John Garang em 2005, sucedeu-lhe Salva Kiir.
Em Abril de 2010, eleições gerais no Sudão do Sul confirmaram a presidência de Salva Kiir, com quase 93 % dos votos. No ano seguinte, 98 % de sul-sudaneses, na pátria e na diáspora, votaram a favor da separação do Sul do Norte, legitimando a presidência de Kiir. A República do Sudão do Sul foi reconhecida como nação independente – o 54.º Estado de África e o 193.º membro da ONU –, mas não foi um processo totalmente pacífico. A festa foi estragada por diversos actos de violência em 9 dos 10 Estados do mais jovem país do mundo.
Dois anos após a independência e conforme aumentavam as tensões entre os dois maiores grupos étnicos – dinca e nuer –, uma guerra civil foi oficialmente declarada no Sudão do Sul. A insegurança atingiu um ponto cítico em Julho de 2013, quando o presidente Kiir, dinca, demitiu todo o Governo incluindo um dos cinco vice-presidentes, Riek Machar, nuer, acusado de tentativa de golpe de Estado. Em Março de 2014, a ferocidade das batalhas obrigou cerca de um milhão de sul-sudaneses a abandonar as suas casas. Este número mais do que duplicaria, em Maio de 2015, para 2,2 milhões, segundo a ONU. O êxodo provocou fome e doenças. Com a comunidade internacional a ameaçar sanções, Kiir e Machar assinaram um acordo de cessar-fogo em Agosto de 2015.
Kiir reintegrou Machar como vice-presidente e este tomou posse a 26 de Abril de 2016. No entanto, menos de seis semanas depois, foram retomados confrontos, com centenas de mortos, entre forças governamentais e combatentes leais a Machar. Machar fugiu do país. Em 2017, foi declarada fome em algumas áreas do Estado de Unity, onde se situa a nova Diocese de Bentiu, dirigida pelo bispo Christian Carlassare.
Em Agosto de 2018, após negociações mediadas pelo Sudão e pelo Uganda, Kiir e Machar assinaram a Declaração de Cartum, que previa mais um cessar-fogo e o compromisso de uma partilha de poder. Machar recuperou o cargo de vice-presidente e, em 2020, integrou um «governo de unidade nacional» chefiado por Kiir. A ONU impôs um embargo de armas e manteve os seus capacetes-azuis no terreno, para proteger os deslocados internos.
A partir de Abril de 2023, a situação agravou-se quando uma guerra genocida no vizinho Sudão levou para o Sudão do Sul uns 560 mil refugiados. A ONU estima que, devido ao colapso da economia (o jovem país não consegue exportar petróleo – 75 % das reservas do antigo Sudão –, sua principal fonte de receitas), à violência imparável e às cheias que têm devastado aldeias e campos agrícolas, pelo menos 7,7 milhões de pessoas enfrentam insegurança alimentar severa. E, até ao final do ano, mais de 400 mil deslocados internos poderão juntar-se aos 2 milhões já existentes. Em Setembro, Riek Machar foi acusado de «homicídio, traição e crimes contra a humanidade», após um ataque que matou 250 soldados. Com Machar suspenso de funções e sob prisão domiciliária, o seu partido apelou à queda do regime. As eleições foram adiadas de 2024 para Dezembro de 2026. Com os inimigos a recrutar novos combatentes, incluindo crianças, outra insurreição armada começou no Sul do país, comandada por Thomas Cirillo (do grupo étnico Bari) que lutou pela independência, mas hoje desconfia que Kiir «quer os Dincas a dominar todo o país». Ninguém esconde o temor de uma nova guerra civil, como a que, de 2013 a 2020, matou quase 400 mil pessoas, deslocou mais de quatro milhões e deixou aproximadamente seis milhões à beira da fome.
Fontes: Concern Worldwide, Global Conflict Tracker, Nações Unidas
