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06 novembro 2022

A pressa de Maria

Tempo de leitura: 5 min
«Maria levantou-se e partiu apressadamente» (Lc 1, 39) é a citação bíblica escolhida por Francisco como lema da Jornada Mundial da Juventude. Por que razão escolheu o papa este episódio evangélico? Por que razão teve Maria tanta pressa de deixar a sua casa e partir ao encontro da sua prima Isabel?
P. Filipe Resende
Missionário comboniano
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A Jornada Mundial da Juventude (JMJ) está à porta. A peregrinação dos símbolos da JMJ pelas dioceses de Portugal está a fazer-nos perceber que este é de verdade um tempo de bênção e de graça.

Este grande evento da juventude do mundo com o papa é algo verdadeiramente transformador para quem se deixar transformar. O texto bíblico base proposto pelo papa para a caminhada encontra-se no evangelho de S. Lucas: «Maria levantou-se e partiu apressadamente» (Lc 1, 39). Porque terá o Papa Francisco proposto este trecho bíblico do evangelho para a caminhada à JMJ23? Que mensagem pode encerrar para nós, jovens de hoje? É o que vamos procurar reflectir ao longo deste ano neste espaço “Vocação e Vida”. Sou o P.e Filipe Resende, missionário comboniano do Centro Vocacional Juvenil Comboniano na Maia. 

Para lá de um «relato jornalístico»

Em primeiro lugar, necessitamos de compreender a natureza deste texto bíblico para depois poder colher a mensagem que ele encerra no contexto da JMJ. É necessário dizê-lo já: o evangelista Lucas não está a dar-nos um relato jornalístico minucioso dos acontecimentos que tiveram lugar desta forma exacta. E vamos também já dizendo que a mensagem central deste texto não é um provável gesto cordial, altruísta e generoso de Maria para com a sua parente Isabel, no momento de necessidade e apoio para a sua gravidez e nascimento de João Baptista. No passado, as interpretações que liam neste texto uma compilação dos acontecimentos mais ou menos históricos deste momento da vida de Maria acentuavam somente esta prontidão generosa de Maria em ir ajudar muito depressa a sua parente. Não é esta a mensagem central do texto. Temos pelo menos três dificuldades a dar uma resposta lógica se interpretarmos o texto como se fosse um relato histórico e «jornalístico» do sucedido:

1.º – Como poderíamos pôr Maria, uma jovem com cerca de 14 anos de idade à altura, a viajar sozinha pelos montes e vales da Judeia sujeita a todas as espécies de perigos no caminho, para mais, tendo ela também acabado de engravidar por obra e dom de Deus através do Espírito Santo? Para tentar resolver esta dificuldade, alguns quadros pintam um José ancião a viajar com ela. Mas isto acrescenta ainda mais a dificuldade: este facto não é mencionado por Lucas e certamente José não seria um homem maduro, mas um jovem como Maria neste tempo.

2.º – Se o ponto central do texto bíblico fosse realmente a prontidão altruística e generosa de Maria, porque é que no texto nos é dito que Maria passados três meses regressou a sua casa precisamente quando a sua parente tinha acabado de dar à luz? Notemos que Maria tinha acabado de ficar grávida por dom do Espírito Santo quando, diz-nos o texto, Isabel estava no seu sexto mês de gravidez. Se Maria regressou depois de três meses, é o tempo que coincide com os nove meses de gravidez de Isabel quando, diz-nos o texto, Maria regressou a sua casa.

3.º – Certamente na aldeia de Zacarias e Isabel haveria mulheres com experiência para ajudar a dar à luz e cuidar da mãe e do seu recém-nascido. Não parece muito lógico que uma jovem de 14 anos fosse saber mais e melhor de assuntos de parteira e cuidadora de recém-nascidos do que estas outras mulheres, as quais poderiam muito bem ser até vizinhas de Isabel.

Creio ser já evidente que este texto bíblico é mais do que uma crónica narrativa e cronológica de pormenores deste episódio na vida de Maria. A mensagem terá de ser bem mais profunda que «apenas» a atitude altruísta e generosa de Maria para com a sua parente Isabel. É por isso necessário estar mais atentos à linguagem e forma de escrever do evangelista Lucas deste “evangelho da infância” para podermos compreender a mensagem que nos quer transmitir. 

Maria: a Arca da Nova Aliança

A referência à arca da aliança do Antigo Testamento está «escondida» em expressões do texto bíblico. Reparemos que, segundo o evangelho, Maria terá saído apressadamente em direcção à casa da sua parente Isabel logo após o momento da concepção de Jesus no seu ventre. O versículo 39 começa por dizer «naqueles dias...», isto é, logo depois da concepção de Jesus e da anunciação do anjo, Maria teria iniciado a viagem. Maria tinha acabado de «ser coberta pela sombra do Espírito Santo». 

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