Opinião
17 abril 2022

O Cordeiro

Tempo de leitura: 4 min
Os cristãos olham para Jesus como o «cordeiro» da família humana, o melhor que a Humanidade tinha para oferecer a Deus.
P. Fernando Domingues
Missionário Comboniano
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A minha professora de língua suaíli chegou, um dia, à lição toda preocupada e perguntou: mas afinal vocês cristãos rezam aos animais?

Eu disse logo que não, que isso era típico de certas religiões pagãs. Mas ela insistiu, porque tinha visto no caderno de apontamentos da filha que andava na catequese uma oração que dizia «Cordeiro de Deus que tirais o pecado do mundo, tende piedade de nós». Com o meu suaíli ainda muito rudimentar, eu fui explicando que o tal Cordeiro, na verdade não era um animal, era Jesus, o Filho de Deus. Ela ficou então ainda mais admirada: na cultura do seu povo – os Massais – chamar «cordeiro» a uma pessoa era um terrível insulto; para eles, o cordeiro é o animal mais estúpido que existe!

Eu lá tentei o que pude para lhe dizer que, na nossa maneira de pensar – a nossa cultura, que em parte vem da Bíblia – o cordeiro é considerado o animal puro, inocente e lindo. Os antigos hebreus da Bíblia consideravam-no o animal mais valioso em todo o rebanho, e por isso, quando iam em peregrinação a Jerusalém para a festa da Páscoa, gostavam de oferecer a Deus um cordeiro como sacrifício em cima do altar de pedra que estava na frente do templo. A refeição que a seguir iam preparar com a carne tinha um significado muito rico: Deus fica contente quando lhe oferecemos o melhor cordeiro que temos, e restitui-no-lo em sinal de bênção para toda a família que se senta à mesa a comer o cordeiro da Páscoa.

Os cristãos olham para Jesus como o «cordeiro» da família humana, o melhor que a Humanidade tinha para oferecer a Deus. O Evangelho de S. João diz que Jesus quis morrer na cruz à mesma hora em que, ali perto, se ofereciam os cordeiros no templo de Jerusalém. Ele ofereceu-se a Deus, no sacrifício da cruz, e traz para todos nós as bênçãos de Deus, quando o recebemos a Ele no pão que comemos à volta da mesa da Eucaristia. E é por isso que, antes de nos aproximarmos para receber o pão da Eucaristia, nós dizemos essa oração a Jesus, o «Cordeiro de Deus».

Não sei se foi pela minha explicação, mas o certo é que, no ano a seguir, também a minha professora entrou para o grupo dos catecúmenos adultos para aprender a fé e a vida cristã, e alguns anos mais tarde, na noite de Páscoa, recebeu o baptismo.

Não rezamos aos animais, mas o certo é que olhando com carinho para os animais, como para todas as criaturas, podemos compreender muito sobre as maneiras como Deus nos mostra o amor que nos tem. Os Massais olham para as suas queridas vacas – das quais recebem o principal alimento que lhes dá vida, o leite, e as peles com que se agasalham – e vêem-nas como o grande dom que Deus fez à Humanidade, logo no início da criação. Por isso gostam de benzer os noivos com leite, sinal da bênção e da fertilidade que vem de Deus. E nas suas cerimónias religiosas, o sacerdote está sempre vestido com uma bela pele preta, de vaca, naturalmente.

Não rezamos aos animais, mas olhando para a Criação com a mesma ternura do Criador, decerto compreenderemos muito sobre o coração de Deus e a ternura que manifesta em todas as suas criaturas.    

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