Personagens: Narrador, Desdita, Boaventura, penitente, peregrino, eremita, Modesta, bandido e Deus.
Narrador: Era uma família muito pobre…
Desdita: Homem, porque não somos ricos?
Boaventura: Mulher, vou viajar para o perguntar a Deus.
Narrador: O homem chegou ao mar e viu um penitente numa rocha no meio das águas.
Penitente: Para onde vai e porquê?
Boaventura: Vou perguntar a Deus porque não sou rico.
Penitente: Pergunte-lhe também se a sorte me baterá à porta.
Narrador: O homem prometeu e prosseguiu. Chegou ao deserto e viu um homem com o corpo enterrado na areia.
Peregrino: Para onde vai e porquê?
Boaventura: Vou perguntar a Deus porque não sou rico.
Peregrino: Pergunte-lhe também quanto tempo devo permanecer imerso na areia.
Narrador: O homem garantiu e continuou o seu caminho. Chegou a uma montanha onde vivia um velho eremita e pediu-lhe hospitalidade.
Eremita: Ia comer pão de centeio e uvas pretas que um corvo me traz habitualmente. Mas ele hoje trouxe também pão de trigo e uvas brancas. Coma o pão de centeio e as uvas pretas. Depois, pergunte a Deus se já tem preparado um lugar no céu para mim.
Narrador: O viajante partiu. Uma noite, bateu a uma casa e pediu alojamento.
Modesta: Vá-se embora! O meu marido é um bandido que já matou 99 homens.
Boaventura: Lá fora morrerei de frio. Posso muito bem arriscar.
Bandido: Coma connosco. E pergunte a Deus se me está destinado um lugar no Inferno.
Narrador: O homem agradeceu. No dia seguinte, chegou a uma gruta. De repente, ouviu:
Deus: O que procura?
Boaventura: Procuro Deus, para lhe perguntar sobre sorte para mim e quatro pessoas.
Deus: Vá para casa. A sua sorte está lá.
Boaventura: E o homem na rocha no meio do mar?
Deus: Que suba a um barco e rasgue as ondas. A sua fortuna está no mar alto.
Boaventura: E o homem do deserto?
Deus: Que se livre da areia e não espere que eu sopre um vento forte.
Boaventura: E o eremita?
Deus: O lugar que lhe era oferecido no Céu foi trocado por outro no Inferno.
Boaventura: E o bandido?
Deus: Diga-lhe que o aguarda um lugar no Céu.
Narrador: O viajante fez o caminho de volta, contou aos quatro homens o que Deus lhe havia dito e, chegado a casa, as coisas começaram a melhorar. Teve filhos e riquezas. Um dia, disfarçado de mendigo, Deus bateu àquela casa.
Boaventura: Espere aí, se faz favor! Mulher, vou ter de matar um cabrito…
Desdita: Não ofereças cabrito a esse mendigo… Frango é suficiente.
Deus (batendo palmas): Frango, corre!
Narrador: E o frango reviveu e correu. Deus foi-se embora e com ele a sorte. A família empobreceu. O facto é que eles não eram ricos, apenas o tinham ficado externamente.