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25 fevereiro 2024

Domingo das Três Montanhas

Tempo de leitura: 7 min
Reflexão do P. Manuel João Correia, missionário comboniano, para o II domingo da Quaresma, em que o Senhor nos leva consigo ao monte Tabor para uma experiência de beleza e luz.
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No domingo passado, o Espírito Santo conduziu-nos com Jesus ao deserto para enfrentarmos "os nossos demónios" e sairmos vitoriosos como Jesus, o novo Adão. A luta não acabou, os demónios voltarão "no momento oportuno", mas não podemos ficar aqui. O nosso caminho quaresmal inclui várias etapas, seis para ser exato, tantas quantas os domingos da Santa Quaresma. 

 

Do deserto para a montanha

Se no primeiro domingo da Quaresma lhe chamámos "das tentações", no segundo poderíamos chamar-lhe "das montanhas". De facto, a primeira leitura fala do monte Mória, onde Abraão tinha ido oferecer o seu filho Isaac, um monte que a tradição identificou com o monte do Templo de Jerusalém. No evangelho (Mateus 9,2-10), trata-se de "um monte alto", da Transfiguração, que a tradição considera ser o monte Tabor, na Galileia. No fundo destes dois, vislumbramos um terceiro monte: o Gólgota! 

Hoje o Senhor leva-nos consigo e conduz-nos a esse "alto monte" do Tabor. Talvez alguns de nós já lá tenham estado e apreciado a vista ampla e bela que oferece. Hoje, porém, não vamos lá como turistas ou caminhantes, nem sequer como peregrinos. Vamos lá como discípulos, personificados pelos três amigos íntimos de Jesus: Pedro, Tiago e João. Para o podermos fazer, temos de nos identificar com a sua situação. Estão a atravessar um mau momento de crise. Seis dias antes, tinham feito a sua profissão de fé. À pergunta de Jesus: "Quem dizes que eu sou?", Pedro tinha respondido em nome de todos: "Tu és o Cristo!". Jesus, no entanto, tinha-os gelado com um anúncio sem precedentes, dizendo-lhes que não era o Messias que esperavam, mas que o esperavam o sofrimento e a morte, antes de ressuscitar ao terceiro dia. Pedro sentiu-se obrigado a admoestá-lo, afastando-se, mas Jesus repreendeu-o duramente diante de todos: "Para trás de mim, Satanás!" Depois, com uma atitude de grande desprendimento que entristeceu profundamente o coração de todos, disse: "Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me!”. Como se dissesse: ou isso ou vai para casa, és livre! O escândalo da cruz foi a primeira grande tentação do discípulo!

Podemos imaginar como foi difícil e cansativa a subida da montanha. Não tanto pela subida de cerca de 500 metros - com Jesus tinham-se tornado grandes caminhantes! - mas por causa do pesado lastro que levavam no coração. É uma experiência que também nós conhecemos, a não ser que tenhamos levado a sério esta palavra de Jesus na cruz! 

 

O mistério do Rosto e dos rostos!

Ouvimos do Evangelho a narração do que aconteceu na montanha: uma experiência apaixonante de beleza e de luz; de encontro entre o humano e o divino; de diálogo entre a Palavra (Cristo) e a Torah (Moisés) e os Profetas (Elias); de admiração sagrada ao entrar na nuvem luminosa; de escuta da Voz que proclama: "Este é o meu Filho, o Amado: escutai-o!"... É uma antecipação da experiência da ressurreição de Jesus e da nossa bem-aventurança! 

Esta experiência não está reservada a alguns escolhidos, mas é oferecida a cada um de nós. É certo que de uma forma mais humilde, mas nem por isso menos verdadeira. Sem ela, a fé ficaria privada da alegria do Evangelho e a vida cristã tornar-se-ia um fardo insuportável. A Quaresma é um tempo propício para fazer esta experiência. Mas sob certas condições! Antes de mais, é preciso ter a coragem de deixar a "planície" e enfrentar a subida da montanha. Depois, parar durante muito tempo no cume, em oração de contemplação. Isto dá-nos uma perspetiva totalmente nova da existência. Por fim, descemos ao vale renovados para retomar a vida com novo vigor, guardando no coração a Luz e a Palavra desse encontro. A Transfiguração é um ícone de oração. Na iconografia oriental, o ícone da Transfiguração é o verdadeiro exame do iconógrafo, porque todos os outros ícones são iluminados pela luz do Tabor!

A fonte desta luz é o rosto de Cristo. "O seu rosto brilhava como o sol", diz Mateus (17,2). Todos nós procuramos esse rosto, como diz o salmista: "O teu rosto, Senhor, eu procuro! (Salmo 23). Esse rosto revela-nos a nossa identidade mais profunda, o nosso verdadeiro rosto, por detrás das muitas máscaras e maquilhagens. Desse encontro, saímos transfigurados, com o rosto radiante, como Moisés ao sair da presença de Deus (Êxodo 34,35). 

Só quem contemplou a beleza desse Rosto pode reconhecê-lo também no "Ecce Homo" e em todos os rostos marcados pelo sofrimento e pela injustiça e, por isso, trabalhará para secar as lágrimas e curar as feridas dos que sofrem! 

 

De cruz em cruz ou de glória em glória?

A vida cristã é uma experiência de transfiguração contínua até à transfiguração final da ressurreição. Considero muito eloquente um texto de S. Paulo: "E todos nós, com o rosto descoberto, reflectindo como um espelho a glória do Senhor, estamos a ser transformados nessa mesma imagem, de glória em glória, segundo a ação do Espírito do Senhor". (2 Coríntios 3:18). 

Esta visão paulina da vida do cristão contrasta com o nosso entendimento da fé como um vaguear de cruz em cruz para chegar ao céu. Em vez disso, Paulo diz-nos que vamos de transfiguração em transfiguração, de glória em glória, até à Transfiguração final. Esta é uma visão muito mais bela e desafiante da vida cristã!

 

Para uma reflexão pessoal esta semana 

1) Retomar a segunda leitura: Romanos 8,31-34.

2) Compare a tua compreensão da vida cristã com a de Paulo.

3) Sentes que cultivas momentos de exposição à luz do Rosto de Cristo?

padre Manuel João Pereira Correia, Comboniano

 

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