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05 junho 2020

Movidos por uma verdadeira esperança

Tempo de leitura: 9 min
A juventude é uma bênção e um chamamento à vida, uma fase marcada por sonhos e esperanças, mas também por experiências e opções que vão traçando um projecto de vida.
Susana Vilas Boas
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Diz o poeta António Gedeão que «o sonho comanda a vida», mas não se correrá o risco de viver adormecido nesta ideia de algo que nunca chega? Que tem o sonho que ver com a esperança e que traz ele aos caminhos da vocação?

No que diz respeito à vocação e à dimensão da Esperança que nela habita, a exortação apostólica Cristo Vive chama a atenção de que estas realidades não podem ser pensadas alheias do que é ser jovem. Que significa, então, ser jovem? Certamente será mais do que uma fase de transição, um parênteses entre a infância e a vida adulta. Mas, qual a especificidade própria da juventude? O que distingue esta fase das outras?

«Enquanto “os adolescentes se cansam e se fatigam” (Is 40, 30), aqueles que esperam, confiados no Senhor, “renovam as suas forças. Têm asas como a águia, correm sem se cansar, marcham sem desfalecer” (Is 40, 31)» (Cristo Vive, n.º 133). A juventude é, portanto, uma fase do desenvolvimento da personalidade, marcada por sonhos, mas também por experiências e opções que vão traçando um projecto de vida. Este é um momento desafiante: um momento de olhar e se lançar no futuro, sem cortar raízes e sem abandonar aqueles que, tendo já ultrapassado essa fase, acompanham o jovem em todo o processo. De facto, sem os pés assentes na terra, o sonho torna-se ilusão, utopia e sem possibilidade de realização concreta. Ao contrário, a esperança vivida com a ousadia própria do ‘ser jovem’ é marcada pelo discernimento responsável – acompanhado e em vista de um futuro autêntico. Neste caso, o futuro de esperança torna-se realizável (uma realização que não pode ser confundida com facilitismo!), perdendo o seu carácter assombroso – próprio do desconhecido – e assumindo-se, cada vez mais, como bênção e dádiva de Deus.

A juventude como bênção e chamamento à vida

Pouco sabemos sobre a juventude de Jesus e, muitas vezes, somos levados ao desânimo de pensar que “para Ele tudo foi fácil” durante este período da Sua vida. Não podemos avaliar porque desconhecemos os acontecimentos, mas podemos deduzir que, como todos os jovens, também Jesus viveu esse tempo como momento de discernimento, oração e, sem dúvida, como tempo de Esperança. É certo que, segundo a cultura judaica, a juventude era “um momento”. Ora se olhava a pessoa como criança, ora (pela idade, ritos religiosos e/ou sociais) se olhava a pessoa como adulta. No entanto, parece-me importante olharmos de mais perto para o episódio da ressurreição da filha de Jairo (Mc 5,21-24.35-43). Esta é uma passagem do Evangelho que nos permite aprofundar o sentido do ‘ser jovem’ a partir do encontro com Cristo.

No início da narrativa fala-se da filha de Jairo como uma menina (Mc 5,39). No entanto, a presença de Jesus trá-la à juventude – Jesus chama-lhe moça (Mc 5,41) e vincula este chamamento a uma responsabilidade, a uma atitude face à vida que tem diante de si: «Moça, levanta-te!» (talitá kum). Este é o desafio do jovem, que se assume como tal, a partir do encontro com Cristo: o jovem deixa a inércia (muitas vezes cómoda) do sofá e a apatia face às circunstâncias que o envolvem, para levantar-se de mãos dadas com Cristo. Um levantar-se que nunca é um processo fácil e que causa sempre assombro (Mc 5,42b) naqueles que se habituaram a ver a criança e que, agora, se assustam com a novidade da juventude que se assume e impõe. Contudo, importa ter presente que a juventude não acontece por acaso! Deus está lá! «A juventude é um tempo abençoado para o jovem e uma bênção para a Igreja e o mundo. É uma alegria, uma canção de esperança e uma beatitude. Apreciar a juventude significa considerar este período da vida como um momento precioso, e não como uma fase de passagem onde os jovens se sentem empurrados para a idade adulta» (Cristo Vive, n.º 135).

Do sonho à esperança

A juventude não é compaginável com a resignação de viver “pela cabeça dos outros”. Antes, ela assume-se como tempo de sonho e esperança verdadeira. Neste tempo, apesar dos desafios e incertezas, o amor de Deus – o encontro com Cristo – manifesta-se, acompanhando os sonhos dos jovens. Este acompanhamento – tantas vezes personificado pelos que acompanham o discernimento vocacional dos jovens – não é um tempo de restrição de horizontes futuros. Pelo contrário, o amor de Deus convida-nos a levantarmo-nos; a sermos responsáveis face ao futuro que se apresenta diante de nós; a vivermos, já no presente, uma vida mais autêntica e mais rumo a um futuro de felicidade (por mais duras que sejam as circunstâncias que nos rodeiam).

 

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(Foto 123RF) 

Sobre esta responsabilidade própria do ser jovem, o Papa Francisco alerta para o facto que «contra os sonhos que inspiram as decisões, há sempre “a ameaça da lamentação, da resignação. Estas deixemo-las aos que seguem a “deusa lamentação!” [...] [Esta] é um engano: faz com que te encaminhes pela estrada errada» (Cristo Vive, n.º 141). A ousadia da perseverança é própria do ser jovem. Porém, esta não pode sucumbir nem à tentação dos excessos próprios da teimosia, nem ser vivida com ligeireza – o que levaria a viver segundo uma perspectiva enganadora, própria da ansiedade.

Os resultados de um caminho de esperança não são imediatos! É preciso determinação, muita paciência e, sobretudo, muito amor e fé n’Aquele que nos chama diariamente a viver em consonância com a nossa juventude. Os sonhos desvanecem se não se convertem em esperança verdadeira. Os sonhos, sem esperança, sucumbem ao desejo da pressa e ao desejo do imediato. Ser jovem não significa ‘realizar aqui e agora’; significa, antes, ‘acreditar, realizando-se’. A ousadia de perseverar precede (e tem de ser sempre maior) a ousadia do fazer! Uma casa de papel faz-se em alguns minutos. Uma casa de pedra, demora meses! A primeira, num ápice se desfaz. A segunda, existe e permanece para a vida. É nisto que consiste ser jovem: viver não para um prazer momentâneo, mas para uma vida autêntica de felicidade. Não se trata de dizer a um jovem que desista do sonho de ‘construir uma casa’, mas de, a partir do encontro com Cristo, construir, de modo durável um futuro que o realize – um futuro que vai para lá de qualquer sonho utópico, antes, um horizonte onde a esperança ganha vida e contornos concretos. Este caminho e construção durável é passível de ser percorrido! Não deixemos, por isso, de ouvir e fazer eco das palavras do Papa Francisco: «Jovens, não renuncieis ao melhor da vossa juventude, não fiqueis a observar a vida da sacada. Não confundais a felicidade com um sofá nem passeis toda a vossa vida diante de um visor. E tão-pouco vos reduzais ao triste espectáculo de um veículo abandonado. Não sejais carros estacionados, mas deixai brotar os sonhos e tomai decisões. Ainda que vos enganeis, arriscai. Não sobrevivais com a alma anestesiada, nem olheis o mundo como se fôsseis turistas. Fazei-vos ouvir! Lançai fora os medos que vos paralisam, para não vos tornardes jovens mumificados. Vivei! Entregai-vos ao melhor da vida! Abri as portas da gaiola e saí a voar! Por favor, não vos aposenteis antes do tempo» (Cristo Vive, n.º 143). 

 

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