Opinião
28 fevereiro 2020

Na conversa...

Tempo de leitura: 4 min
Há conversas que valem pouco ou nada, mas há maneiras de conversar que abrem o coração à presença de Jesus que quer caminhar connosco.
P. Fernando Domingues
Missionário Comboniano
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«Isso é conversa!», exclamamos nós às vezes, para desqualificar alguma coisa que alguém nos está a dizer.

Ora aqueles dois discípulos que ainda não sabiam da ressurreição de Jesus e caminhavam desiludidos e tristes em direcção a Emaús nunca imaginaram que a conversa que iam fazendo iria ter tanto valor. Hoje, cerca de dois mil anos mais tarde, o que eles lá disseram e o que descobriram durante aquela conversa continua a ser motivo de reflexão e de alegria para muitos milhões de pessoas, todos os cristãos!

De facto, foi durante aquela conversa que um certo forasteiro desconhecido se aproximou deles e, entrando na conversa que faziam, começou a «aquecer-lhes o coração». Não conseguiam ainda reconhecer que era Jesus ressuscitado quem caminhava com eles, mas já sentiam o primeiro efeito da sua presença: o «coração aquecido».

Vale então a pena olhar mais de perto para essa conversa que se tornou ocasião para Jesus se dar a conhecer, caminhando com aqueles dois que tinham sido seus discípulos.

Caminhavam juntos. Juntos por conveniência para se defenderem mutuamente se aparecessem salteadores pelo caminho? Juntos por acaso? Talvez se tivessem encontrado a sair de Jerusalém à mesma hora da manhã... Juntos talvez pela dor comum: a morte do Mestre Jesus ainda doía muito, o melhor era partilhar a dor. Ou talvez juntos porque no segredo do coração de cada um deles ainda havia uma brasita de esperança que teimava em ficar acesa: quem sabe se Deus não podia ainda arranjar maneira de transformar aquela triste morte de Jesus em alguma coisa de positivo. Afinal ele tinha dito que «quem perde a sua vida pelo reino de Deus há-de encontrá-la»!

Seja como for, caminhavam juntos e puseram-se a falar. Contavam um ao outro como tinham vivido aqueles últimos dias: o momento extraordinário da Última Ceia com Jesus e o que lhes tinha dito, como lhes tinha lavado os pés, e depois a cadeia incrível de coisas que aconteceram, desde o jardim das oliveiras até ao calvário.

Partilhando o que tinham vivido, foram-se escutando um ao outro, e no diálogo feito com o coração aberto há sempre lugar para mais um. A conversa dos dois tornou-se conversa a três. Jesus entrou na conversa. Não o reconheciam, mas já sentiam algo de novo naquela conversa: «Não nos ardia cá dentro o coração, quando ele falava connosco?»

Quantas vezes experimentei o mesmo nas reuniões das pequenas comunidades cristãs no Quénia! Muitas pequenas comunidades – entre 15 e 30 pessoas – não tinham um espaço próprio onde se encontrar. Fazíamos a reunião na rua, à frente da casa de uma das famílias, enquanto as pessoas iam passando com ar cansado, regressando a casa depois de um dia de trabalho. Às vezes surpreendia em quem passava um olhar curioso, quase invejoso: «Ao menos estes, ao fim do dia, têm com quem falar, sabem escutar...» E naquela hora de partilha, nós líamos um texto do Evangelho, partilha, diálogo, orações, organização da vida da comunidade. E o mesmo «forasteiro do caminho de Emaús» fazia-nos sentir a sua presença. Partíamos do encontro da comunidade com «o coração quente», certos de que Ele tinha estado connosco e nós tínhamos escutado a sua voz. A reunião terminava sempre com um «regressemos a casa em paz e que Ele nos acompanhe!».

Há conversas que valem pouco ou nada, mas há maneiras de conversar que abrem o coração à presença de Jesus que quer caminhar connosco. 

 

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