Opinião
28 março 2024

Estremecer

Tempo de leitura: 4 min
O fogo que nos anima na missão é a mesma alegria de Jesus, que nos faz estremecer de emoção.
P. Fernando Domingues
Missionário Comboniano
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(© 123RF)

 

Os evangelhos apresentam-nos Jesus que estremece de alegria, de compaixão, de indignação. Jesus não é um homem duro, insensível à alegria ou à dor, e muito menos um «deus» que está acima das emoções que marcam a vida de cada um de nós. Ele é humano como nós também nisso. Jesus emociona-se profundamente, às vezes até às lágrimas, como quando encontra a irmã do seu amigo Lázaro, que tinha morrido havia três dias (Jo 11,32-35).

Há momentos em que a alegria lhe enche de tal maneira o coração, que todo ele estremece. Como quando os 72 discípulos que Jesus tinha enviado, dois a dois, regressam para lhe contar, cheios de entusiasmo, como até os demónios se sujeitavam a eles, quando os expulsavam em Seu nome. E estremeceu de alegria bendizendo o Pai do Céu que «revelava estes mistérios aos pequeninos e os escondia aos sábios» (Lc 10,17-24).

Diz-nos o evangelista Lucas que, nessa ocasião, Jesus estremeceu de alegria «sob a acção do Espírito Santo». Era nestes momentos de comunhão e sintonia mais profunda com o Pai do céu que o seu coração exultava de felicidade. Ele não só via o bem a vencer o mal à sua volta, pela sua própria acção, mas conseguia também que os seus discípulos participassem activamente no bem que Deus estava a realizar. E, talvez por isso, acrescentou: «Não vos alegreis tanto porque os espíritos malignos vos obedecem, mas porque os vossos nomes estão escritos no Céu.» É como se dissesse, agora experimentais a alegria de serdes parceiros e colaboradores de Deus, libertando as pessoas do mal e transformando o mundo em que vivemos de modo que se pareça um pouco mais com o sonho do Criador.

Terá Jesus aprendido da sua mãe essa capacidade de «estremecer de alegria»? Diante dos acontecimentos surpreendentes, ela tanto parecia ficar num profundo silêncio mais contemplativo – «Maria conservava cuidadosamente todos estes acontecimentos e meditava-os no seu coração» (Lc 2,19.51) – como quase saltava e dançava de alegria, como quando se encontrou com a sua prima Isabel e as duas louvavam a Deus pelo dom dos filhos que carregavam cada uma no seu ventre; Isabel que grita «bendita és tu entre as mulheres» (Lc 1,42) e Maria que exclama, «o meu espírito exulta em Deus meu Salvador!» (Lc 1,47).

Logo a seguir à sua ressurreição, podemos só imaginar a alegria com que foi encontrando os seus discípulos e amigos, um a um, ou em pequenos grupos. A primeira foi Maria Madalena, que alguém gosta de chamar «a melhor amiga de Jesus». A narração do seu encontro com Jesus (Jo 20,1-2.11-18) não esconde a intensidade das emoções e a imensa alegria do encontro. Estremecer de alegria perante o que Deus vai realizando é uma capacidade que claramente Jesus passa aos seus discípulos. Agora a prioridade era iniciar os discípulos numa nova maneira de se relacionarem com o Mestre e de sentir e ver a sua presença, depois de ter sido transformado pela morte e ressurreição. Jesus partilhava a sua alegria lançando-os a todos e a todas na aventura de anunciar o Seu Evangelho ao mundo inteiro. Ainda hoje, o fogo que nos anima na missão é a mesma alegria de Jesus, que nos faz estremecer de emoção ao reconhecermos a sua presença e a sua acção em nós e à nossa volta (1 Jo 1,3-4).

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