Opinião
01 março 2020

A Amazónia e os sonhos de Francisco

Tempo de leitura: 4 min
Francisco estrutura a exortação em quatro grandes sonhos que a Amazónia lhe inspira e nos quais deseja envolver-nos.
Bernardino Frutuoso
Director
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Como missionário, tive oportunidade de estar diversas vezes na Amazónia. Sempre me impressionaram a biodiversidade, a beleza e riqueza dessa região, a cosmovisão dos seus povos e a sua relação harmoniosa com a mãe Terra. Sei que os desafios para a evangelização da Pan-Amazónia são muitos e urgentes e, por isso, acompanhei com interesse o processo sinodal e esperei com expectativa a exortação apostólica pós-sinodal, que foi publicada no passado 12 de Fevereiro.

Li com agrado o belo e profundo documento – ao qual damos destaque nesta edição da Além-Mar – escrito pelo papa num estilo de carta amigável dirigida aos povos amazónicos e a todas as pessoas de boa vontade. A exortação coloca no centro a questão da defesa da Amazónia e conjuga poesia, ecoteologia, contemplação, análise da realidade, discernimento e denúncia profética vigorosa com a preocupação central pelos povos da região, seja na perspectiva da opção preferencial pelos pobres e excluídos, seja na interiorização de uma visão que considera esses povos os protagonistas do seu destino. É nessa óptica, de dar relevância ao tema central do sínodo, que se podem interpretar os silêncios do papa sobre os temas eclesiológicos polémicos, que já tinham atraído a atenção mediática durante o processo sinodal e são propostos no documento final do sínodo – nomeadamente a questão da ordenação de homens casados e dos ministérios femininos. Todavia, Francisco especifica que assume as conclusões do sínodo, convida a lê-las integralmente e a pô-las em prática nesta nova etapa pós-sinodal mediante dinâmicas dialécticas de discernimento pastoral, sinodalidade e diálogo social.

Francisco estrutura a exortação em quatro grandes sonhos que a Amazónia lhe inspira e nos quais deseja envolver-nos. O primeiro sonho é social. Numa abordagem integral – na linha da Laudato Si’ – não separa o clamor da terra do grito dos pobres e dos oprimidos. O segundo sonho é cultural. A promoção do território amazónico faz-se preservando a sabedoria dos povos indígenas e a riqueza cultural que os caracteriza. O terceiro é ecológico. O rosto belo de Deus descobre-se na criação, na majestosidade e vulnerabilidade da Amazónia. É urgente uma conversão ecológica, em que a Humanidade salvaguarde a casa comum e opte por uma cultura da frugalidade. O quarto sonho é eclesial. A Igreja em saída é chamada a desenvolver, com criatividade, audácia e ardor missionário, processos de evangelização que permitam configurar «comunidades cristãs capazes de se devotar e encarnar de tal modo na Amazónia que dêem à Igreja rostos novos com traços amazónicos».

Numa leitura hermenêutica destes sonhos pontifícios – que na cosmovisão dos povos indígenas são mapas para construir realidades –, podemos considerá-los como programas de acção propostos por Francisco, convites a «ampliar horizontes» e a desvelar «outros caminhos, talvez ainda não imaginados». Hoje, a Amazónia apresenta-se aos olhos do mundo «com todo o seu esplendor, o seu drama e o seu mistério», mas, como refere Francisco na Alegria do Evangelho, o tempo é superior ao espaço e o vento renovador do Espírito abrirá processos e surpreender-nos-á, amanhã, com o alvorecer de novas Primaveras na Amazónia e no mundo.

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Editorial
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