Opinião
26 setembro 2023

Apressado sem pressa para quê?

Tempo de leitura: 3 min
O encontro com o outro na fé será sempre um encontro com Jesus. Para isso não devemos ficar fechados, dentro das igrejas, mas estar em saída e […] acolher a todos.
Miguel Oliveira Panão
Professor universitário
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(© Lusa/EPA/ANSA/L’Osservatore Romano)

 

Se a Grande Aceleração a que assistimos com o desenvolvimento tecnológico e nos nossos relacionamentos sociais é o fenómeno responsável pela crise ambiental que «todos» estamos a sentir (com demasiada chuva ou demasiado calor), que sentido tem o «apressadamente» de Maria? Andamos a promover cada vez mais um mundo sem pressa, mais ponderado e sereno, pelo que «Maria Apressada» quer dizer outra coisa. Durante a JMJ Lisboa 2023, enquanto pensava nisto, apercebi-me que Maria apressa-se para o encontro e deparei-me com um pequeno livro do jesuíta e amigo de longa data do Papa Francisco, o padre Diego Fares [jesuíta argentino, que faleceu em 2022], intitulado The Heart of Pope Francis (O Coração do Papa Francisco). Nesse livro encontrei a confirmação para a relação entre Maria Apressada e o acto de ir ao encontro.

Enquanto escutava o Papa Francisco, dei-me conta de quantas pessoas nos encontrávamos ali em Lisboa, oriundas de toda a Terra, demonstrando a inequívoca possibilidade do mundo unido. As diversas palavras marcantes do papa, começando pelo «todos, todos, todos», passando por uma «Igreja sem portas» até ao Amor de Deus como a única coisa realmente gratuita neste mundo, levavam-me a pensar como a Teologia de Francisco, isto é, o conhecimento de Deus que ele nos convida a viver, implica sempre o encontro com o outro e Deus no outro. Por isso, pensava que Francisco desenvolve connosco uma Teologia do Encontro e parecia-me uma novidade, mas afinal não era.

O padre Diego Fares usa a imagem do bambu japonês para explicar o que Jorge Bergoglio é para o mundo hoje: demora sete anos num crescimento quase imperceptível e em seis semanas cresce até aos 30 metros. Bergoglio/Francisco desenvolveu sempre a sua vocação sacerdotal e ministério no amadurecimento de uma cultura do encontro. Pois, o encontro com o outro na fé será sempre um encontro com Jesus. Para isso não devemos ficar fechados, dentro das igrejas, mas estar em saída e acabar, definitivamente, com qualquer acolhimento selectivo. Devemos acolher a todos. Uma atitude base da cultura do encontro bergogliana.

E um dos aspectos que me tocou na cultura do encontro foi o facto de a oração conter a noção de «toque». Em 1992, Jorge Bergoglio reflectia sobre a esperança dizendo que «a oração toca a nossa carne e o seu próprio núcleo; ela toca o nosso coração». Pois, «somos seres do encontro. [...] [E] o relacionamento é pleno quando a outra pessoa “encontra” (quem?) o meu verdadeiro eu». Um eu que é Jesus em mim que encontra um outro que é Jesus também.

Uma Teologia ou cultura do encontro vive-se essencialmente através da nossa experiência pessoal. Num domingo fui à missa em Lisboa e ao entrar na igreja encontrei a cigana pobre que fielmente pede esmola. Já nos conhecemos e ela sabe que não lhe dou esmola, mas cumprimento-a e trocamos sempre sorrisos amáveis. Contudo, ao pensar na cultura do encontro, decidi ir mais longe. À saída, desejei-lhe mais do que um bom domingo. Toquei-lhe no ombro com amor fraterno. O seu rosto resplandeceu. Éramos Jesus. 

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