Opinião
22 fevereiro 2023

A tecnofilia do momento: ChatGTP

Tempo de leitura: 3 min
O ChatGPT poderá gerar uma tecnofilia cujos efeitos sobre a nossa saúde mental e espiritual são ainda desconhecidos.
Miguel Oliveira Panão
Professor universitário
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Um tecnófilo olha para uma tecnologia como um amado contempla com um sorriso a sua amada. E muitas vezes, o amor à tecnologia é de tal forma intenso, que o comportamento se assemelha ao de uma mãe ursa a proteger as suas crias, sendo muito perigoso aproximarmo-nos do tecnófilo com uma ideia que refreie o seu amor à tecnologia. Não sei quantos tecnófilos o ChatGPT irá gerar, mas sendo um programa com inteligência artificial que está a dar que falar, imagino.

Quando perguntei ao ChatGPT que impacto ele teria para a criatividade humana, a resposta que me deu foi: «O ChatGPT é um modelo de linguagem poderoso que pode gerar texto semelhante ao humano, mas não tem a capacidade de ser criativo da mesma forma que os humanos. Enquanto pode gerar texto que parece criativo, ele está limitado pelos dados com os quais foi treinado e pelos padrões que aprendeu. Ele pode auxiliar a criatividade humana fornecendo sugestões, mas não pode substituir a criatividade humana.» O que achei mais curioso nesta resposta, não foi o português (que até não é mau), ou o facto de o conteúdo ser esclarecedor, mas foi a honestidade da resposta. Conheço humanos que não são tão honestos ao ponto de reconhecer as suas limitações.

No seu livro Tecnopoly, Neil Postman diz que «novas tecnologias alteram a estrutura dos nossos interesses: as coisas sobre as quais pensamos. Elas alteram o carácter dos nossos símbolos: as coisas com as quais pensamos. E alteram a natureza da comunidade: a arena na qual se desenvolvem os pensamentos». Com o ChatGPT e o modo como muitas pessoas usam para monetizar as suas potencialidades, podemos estar diante de uma tecnologia que poderá gerar uma tecnofilia cujos efeitos sobre a nossa saúde mental e espiritual são ainda desconhecidos. O ChatGPT é algo ou alguém? Faz-me pensar na síndrome de Frankenstein.

A síndrome de Frankenstein descobre-se quando criamos tecnologia que nos deixa maravilhados e entusiasmados até que ganha vida própria. Quando o Facebook criou o botão “Like” com a mãozinha a fazer um “Fixe”, ninguém podia imaginar a influência que isso teria sobre a saúde mental das pessoas, fazendo das interacções, inicialmente inocentes nas redes sociais, sistemas de validação pessoal. Esta síndrome expressa como a tecnologia pode avançar a um ritmo maior do que a nossa capacidade de o acompanhar, tornando-se difícil ou impossível saber por onde irá a seguir ou que efeito produzirá.

A criatividade faz parte da natureza humana. Ao criarmos, recriamos. Existe um algo-mais no fruto da criatividade humana que não esclarece, ou apresenta uma certa lógica, ou até está bem feito. Um poema contém em si uma carga emocional original que pode baralhar, não ter qualquer lógica e conjugar sílabas em palavras novas que antes não existiam. Contudo, pedi ao ChatGPT para escrever um poema sobre si próprio. Demorou quase um minuto e das três quadras destaco: «É um amigo virtual, sempre disponível,/ Com conhecimento actualizado e vasto,/ E ajuda a encontrar informações valiosas,/ É como um professor, sempre presente e basto.»

«E esta, hein?» (Fernando Pessa)   

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